Novo modelo de acesso à energia solar faz sucesso na África

Novo modelo de acesso à energia solar faz sucesso na África

Um modo criativo de comercializar energia solar está ganhando força na África subsaariana: o modelo “Pay-As-You-Go” (PAYG) permite que os clientes paguem à medida que podem ou a consomem.

Apenas um em cada seis habitantes rurais da África subsaariana tem acesso à eletricidade. Para as famílias pobres, as lamparinas a querosene são a fonte primária de iluminação — uma tecnologia cara e perigosa, uma vez que o combustível é inflamável, além de tóxico quando inalado ou ingerido.

O Banco Mundial estima que respirar a fumaça e os vapores de querosene equivale a fumar dois maços de cigarros por dia, sendo que dois terços das mulheres adultas com câncer pulmonar em países em desenvolvimento não são fumantes. “As pessoas mais pobres do mundo não estão pagando apenas um pouco mais por sua energia; elas estão pagando um valor desproporcional”, argumenta Simon Bransfield-Garth, CEO da Azuri Technologies, uma empresa de serviços solares com sede em Cambridge, na Inglaterra.

Nos Estados Unidos e no Reino Unido a eletricidade fornecida por uma companhia de energia elétrica custa entre 10 e 15 centavos por quilowatt-hora (kWh). Um aldeão na área rural do Quênia ou de Ruanda, por outro lado, paga o equivalente a US$ 8 por kWh pela iluminação a querosene. Muitas vezes, 30% ou mais da renda de uma família é gasta em querosene. Recarregar um telefone celular é mais caro ainda. Esse mesmo aldeão pagaria quase 400 vezes mais para carregar seu aparelho no Quênia rural que nos Estados Unidos. Os kits carregadores acionados por energia solar são uma alternativa promissora, mas muitas famílias rurais não podem arcar com o preço de entrada desses sistemas, que começam em US$ 50.

Com o modelo Pay-As-You-Go (PAYG), os consumidores podem dar uma entrada de cerca de US$ 10 por um kit que inclui um painel solar de dois a cinco watts e uma unidade de controle que aciona luzes LED (diodos emissores de luz) e carrega dispositivos como celulares.

Depois disso, eles pagam pela energia quando precisam dela, muitas vezes adiantado semanalmente, ou quando podem (digamos, após uma colheita bem sucedida). Na prática, os kits são quitados após cerca de um ano e meio (18 meses). Depois disso a eletricidade é gratuita para o novo proprietário.

Os usuários do PAYG estão descobrindo que em vez de pagar de US$2 a US$ 3 por semana pelo querosene, eles gastam menos da metade disso pela energia solar. O conceito do modelo é familiar para centenas de milhões de africanos que compram créditos telefônicos e querosene gradualmente, quando precisam.

A Azuri é uma de diversas empresas start-up que vendem energia solar parcelada para pessoas que não estão conectados à rede de energia. Seus clientes compram cartões (raspadinhas) que contêm um código que eles enviam à empresa através de uma mensagem SMS e em seguida recebem um código de desbloqueio que digitam em seu kit solar.

Outra empresa, a Angaza Design, de São Francisco, integrou um modem analógico em seu carregador solar que “conversa” com o telefone celular do cliente para autenticar a transação. A empresa M-KOPA — uma companhia derivada (spin-off, em inglês) da difundida e bem-sucedida rede de pagamento de telefonia celular M-PESA (uma espécie de serviço bancário por celular que opera no Quênia) — aproveita sua rede móvel existente para receber pagamentos. Os planos de pagamento começam em menos de 50 centavos por dia e os clientes podem adicionar fundos à sua conta quando quiserem.

Até agora, o modelo PAYG mostrou níveis notáveis de sucesso. A Azuri tem mais de 21 mil clientes em 10 países (Quênia, Uganda, Tanzânia, Etiópia, Ruanda, Serra Leoa, Gana, África do Sul, Zimbábue e Sudão do Sul). A M-KOPA já tem 30 mil e está empenhada em atrair uma grande parcela dos 15 milhões de usuários ativos da rede M-PESA dispersos pelo continente.

A Angaza Design, por sua vez, está em vias de chegar a 10 mil clientes nos próximos nove a 12 meses. Bryan Silverthorn, diretor de tecnologia da empresa, diz que o feedback tem sido “inspirador e uma aspiração”. De acordo com a experiência da empresa, os kits solares estão capacitando os africanos desconectados da rede elétrica e lhes dando o poder de melhorar drasticamente sua qualidade de vida.

As empresas informam que o modelo de negócios PAYG é replicável de país para país. Elas atingem as comunidades rurais ao trabalharem com parceiros de distribuição locais, que também ganham dinheiro com a venda de cada kit solar. A adoção de carregadores solares em geral se propaga rapidamente através da propaganda “boca a boca”. Assim que uma família teve sucesso com um sistema solar PAYG, outras famílias muitas vezes também adquirem um.

Mas ainda há desafios. Muitas empresas start-up PAYG estão atingindo seus limites de capital de giro: como elas bancam o custo inicial dos kits solares parcelados, elas não são totalmente reembolsadas durante 18 meses. Isso leva a restrições de fluxo de caixa que se agravam quando clientes não pagam. “Ainda não existem modelos financeiros para operar com capital de terceiros (empréstimos) e as empresas só podem financiar suas operações como seus próprios patrimônios líquidos por um determinado tempo. Portanto, há uma necessidade de se criar instrumentos de dívida para permitir que isso seja financiado em grande escala”, argumenta Bransfield-Garth.

Ainda assim, o modelo PAYG pode oferecer lições importantes para o mundo desenvolvido à medida que a base solar instalada cresce. De acordo com Silverthorn, “existem todos esses debates sobre quando a energia solar atingirá uma paridade de rede nos Estados Unidos e em outros lugares. A África é um lugar onde, para uma faixa enorme da população, a energia solar agora é a opção mais barata. Ninguém sabe o que acontecerá a seguir”.