Física Quântica: Individualidade de partículas quânticas

Física Quântica: Individualidade de partículas quânticas

 

 

 

 

 

No texto “Partículas e o povo de Tlön” , representamos um objeto quântico (como um próton) por meio de uma bolinha individualizada, a que demos o nome “Fi”:

Uma maneira alternativa de representar um objeto quântico localizado é por meio de uma onda bem comprimidinha, chamada “pacote de onda”, ou pulso de onda:

Há também uma terceira concepção sobre o que o objeto quântico é, na realidade, e esta concepção é a dualista:

Apesar de estas concepções serem diferentes, cada uma dessas interpretações explica, a seu modo, os fenômenos observados no laboratório.
A questão agora é o que acontece quando dois objetos quânticos se encontram? Suponha que tenhamos dois prótons, a que damos os nomes “Tô” e “Gi”. Se eles sofrerem uma colisão, como duas bolas de bilhar, esperamos que eles se ricocheteiem:

Porém, se imaginamos que esses objetos quânticos são como ondas, que podem se cruzar sem que um afete o outro, vislumbramos uma outra possibilidade:

Qual das duas situações ocorre, de fato, em um experimento de colisão de prótons?

Segundo o princípio quântico de superposição, se há dois estados possíveis para um sistema (como as duas figuras acima), então sua “superposição” também é um estado possível. E, de fato, a melhor representação para o que acontece quando Tô e Gi se encontram é tal superposição. A conseqüência disso é que Tô e Gi perdem sua individualidade, e as partículas resultantes terão que receber nomes que misturem as características das partículas iniciais, como por exemplo “Ti” e “Gô”:

Tentemos esclarecer essa situação. Se, após a colisão, encontramos a partícula de cima (Ti), não temos como saber se ela veio de cima (Tô) ou de baixo (Gi). Mas a questão não é apenas que nós ignoramos qual é a realidade; de fato, somos obrigados a dizer que a própria realidade de Ti proveio de uma composição das realidades de Tô e de Gi. É assim que a maioria das interpretações da teoria quântica analisa a situação, quando se busca explicar resultados de experimentos semelhantes a esse.

Em termos filosóficos, diz-se que Tô e Gi perdem sua individualidade, aquilo que os torna indivíduos. Melhor seria dizer que eles misturam ou combinam suas individualidades. Se fôssemos fazer uma analogia com seres humanos, é como se um homem e uma mulher se abraçassem e, ao se separarem, não existissem mais as duas pessoas originais, mas um casal de filhos dos dois (com o material genético misturado). Seria um “abraço quântico”!

Essa analogia com humanos, porém, não pode ser estendida muito além, pois há um detalhe que é essencial para o caso das partículas: elas precisam ser indistinguíveis. Isso significa que todas as propriedades intrínsecas de uma partícula são iguais às da outra. Assim, Tô e Gi têm a mesma massa, a mesma carga elétrica, o mesmo estado de spin, etc. Ou seja, não se pode distinguir Tô e Gi fazendo-se medições de suas propriedades intrínsecas. O que distingue as duas partículas, inicialmente, é sua localização espacial, que é uma propriedade extrínseca (que depende da relação do objeto com seu meio). Mas quando elas se encontram, na colisão, até mesmo essa propriedade extrínseca passa a ter valor igual para os dois objetos. Nessa situação de indistinguibilidade intrínseca e extrínseca, ocorre perda de individualidade.

Esse fenômeno ocorre não só para duas partículas elementares, mas também para dois átomos ou duas moléculas, desde que sejam indistinguíveis (ou seja, desde que não envolvam isótopos diferentes).

É comum, nas discussões sobre esse assunto, dizer que dois prótons são “idênticos”, mas este termo é ambíguo (tem diferentes significados), e prefiro não utilizá-lo. Segundo o uso corrente na filosofia, dizer que dois prótons são “idênticos” seria dizer que eles são um único indivíduo. Por exemplo, posso dizer que a estrela-d’alva e a estrela vespertina são idênticas, pois correspondem ao aparecimento de um indivíduo único, Vênus, de manhã e de tarde.

O tema tratado neste texto é um dos mais enrolados da filosofia da física quântica! Há também uma conexão importante com as chamadas “estatísticas quânticas”, conforme interpretadas pelo físico inglês Paul Dirac, em 1926, mas não entraremos aqui neste assunto.

Alguns autores consideram que mesmo partículas separadas espacialmente, como Tô e Gi, carecem de individualidade própria. Esta é a posição defendida pelos lógicos brasileiros Newton da Costa e Décio Krause, que desenvolveram um novo tipo de teoria dos conjuntos, onde os elementos não têm individualidade.