Onde está o átomo de prata?

Onde está o átomo de prata?

No texto anterior , apresentamos o problemático colapso de uma onda espalhada no espaço. O aspecto problemático envolve a não-localidade do colapso, ou seja, algo que acontece na Terra poderia afetar instantaneamente algo que acontece no Sol. Por causa dessa estranheza, a maioria dos físicos, especialmente até uns 30 anos atrás, tende a não aceitar que se possa atribuir realidade para as ondas quânticas. Mas, se quisermos interpretar a teoria quântica considerando que tais ondas existem na realidade, poderemos fazê-lo sem cair em contradição com a experiência.

Dito isso, vamos agora explorar um pouco mais essa noção de colapso, para que no próximo texto possamos entender como o observador consciente entra no jogo.

Faremos isso apresentando um novo experimento quântico, conhecido como experimento de Stern-Gerlach, realizado pela primeira vez em Frankfurt, em 1921. Átomos de prata saem voando de um forno, são *colimados, e passam dentro de um par de imãs (S e N), indicado na figura abaixo. Eles acabam imprimindo duas manchas em uma tela, uma em cima e outra em baixo. Esse comportamento foi considerado tipicamente quântico, pois o que se esperaria, segundo a física clássica, seria uma única e grande mancha ligando a mancha de cima com a de baixo.



Vamos imaginar agora uma modificação no experimento, colocando detectores que não absorvam o átomo, mas os deixem passar. Vamos também concentrar nossa atenção em um único átomo de prata. Na figura abaixo, ele está representado por uma ondinha vermelha com uma seta. Essa seta representa o fato de que um átomo é um imã em miniatura, imã esse cujo pólo norte aponta na direção da seta. Para simplificar, chamaremos esta seta de "spin" (o spin seria o
giro intrínseco do elétron).

Note que o átomo tem duas trajetórias diferentes à sua disposição, representadas por linhas tracejadas. No experimento em questão, o átomo foi detectado em D1. Segundo nossa interpretação ondulatória realista, no instante da detecção ocorre um colapso, e a trajetória que entraria no outro detector (D2) desaparece. Note também que o spin do átomo muda, após a detecção. De início ele estava “deitado”, apontando na direção +x, depois ocorreu a separação pelos imãs, e após a medição ele tem spin apontado “para cima”, na direção +z.

– Onde está o átomo antes da detecção?

– O que o formalismo da teoria quântica diz é que “o estado associado ao átomo, antes da medição, está em uma superposição de auto-estados de posição”.

– Mas o que significa isso?

– Segundo nossa interpretação, o átomo estaria em dois lugares ao mesmo tempo!

– Mas como assim? Quando medimos sempre o observamos em apenas um lugar!

– Sim, mas há razões teóricas para considerar que o átomo não está localizado em apenas uma região espacial.

– Razões teóricas? Para dizer que uma coisa, que de fato está sempre bem localizada, poderia não estar?

– Podemos dizer que ele está potencialmente em dois lugares, mas quando o observamos, ele é atualizado em uma posição bem definida.

– Ato e potência são conceitos aristotélicos! Precisamos retornar a Aristóteles? Quais são as ditas “razões teóricas”?

A razão pela qual, na presente interpretação, somos obrigados a dizer que o átomo não está localizado nem no caminho que vai para D1, nem no caminho que vai para D2, mas que ele está de certa forma em ambos ao mesmo tempo, é a seguinte.

Antes de detectar o átomo, podemos retirar os detectores, recombinar os dois feixes através de outro imã, e o que obteremos no final é exatamente o mesmo estado quântico que no início, com o spin apontado na mesma direção +x (ver figura a, abaixo).

Porém, se o átomo estivesse em uma posição bem definida, rumando por exemplo para o detector D1, e os detectores fossem retirados, na recombinação dos feixes o estado final do spin seria diferente do caso anterior (ver figura b), apontando na direção +z.



Experimentos foram realizados na década de 1980 com nêutrons, mostrando que de fato a situação (a) é a correta. Ou seja, somos obrigados a admitir que, antes da detecção, o estado correto é de superposição. E o verdadeiro significado disso depende da interpretação adotada.

*Colimados: ou seja, seguem uma linha bem estreita