Física Quântica: Conceito de particula

16/09/2013 19:53

O escritor argentino Jorge Luis Borges tem um conto, “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” (disponível na internet, em espanhol), de seu livro Ficções, em que um povo com uma visão de mundo “idealista” (ou seja, que considera que o mundo é, pelo menos em parte, criado pela mente - se surpreende quando um herege afirma que deixou cair uma moeda no jardim, e que dois dias depois encontrou a mesma moeda, um pouco enferrujada pelo sereno. Isso seria uma heresia porque, para esse povo, a realidade só existe enquanto representação na mente de alguém; assim, como seria possível que as moedas continuassem existindo, mantendo sua identidade, enquanto ninguém pensava nelas?

A noção de que uma coisa continue existindo sem que ninguém esteja olhando não é muito surpreendente para nós. Na verdade, estamos cercados de “coisas” com esse comportamento. O tênis velho que me carrega no asfalto mantém sua identidade ao longo do tempo (ou seja, é o mesmo tênis), mesmo que vá perdendo pedacinhos. Nossa mente representa muito bem esses objetos que mantêm suas propriedades ao longo do tempo, e que mudam pouco. Afinal de contas, nosso cérebro evoluiu em um ambiente com coisas que mantêm sua identidade, então é natural que sejamos bons em representá-las.

Hoje em dia há microscópios que permitem observar átomos. Há uma discussão se isso é de fato uma “observação”, mas de qualquer maneira lá estão as figuras arredondadas ou pontuais que associamos a átomos, figuras essas cuja formação foram causadas pela presença dos átomos:

Essa imagem foi obtida em 1955 por Müller & Bahadur, usando um
microscópio eletrônico, e o ponto central é um átomo de níquel


Gostamos de pensar em um átomo como sendo uma bolinha, e tal representação não é tão despropositada, pois, afinal, quando essas partículas se movimentam livremente (sem campos externos), elas possuem simetria esférica (pelo menos é o que a teoria nos diz). Eis uma representação de uma partícula, que segue uma trajetória contínua, indicada pela seta.

Não há nada mais trivial do que isso! Dei até o nome “Fi” à partícula.

Uma das questões que exploraremos nessa coluna é em que medida essa noção de partícula representa bem os átomos. O povo de Tlön certamente protestaria ante à afirmação de que átomos pudessem propagar em trajetórias contínuas, quando não há ninguém observando. Para eles, podemos apresentar o seguinte experimento, chamado “experimento de anticorrelação”:

A partícula vem chegando toda fagueira pela esquerda, quando um cientista maluco tenta lhe cortar ao meio com uma faca, em S1. Ao cortar a partícula em dois, ele espera que metade vá pelo caminho A, e metade por B, caindo nos detectores em D2 e D1. O que ele observa? Se o objeto incidente fosse uma laranja, ele teria sucesso em dividi-la.

Mas uma partícula quântica, como um elétron, não pode ser dividida (pelo menos nas energias a que temos acesso nos aceleradores). O elétron chegará inteiro, ou em D2 ou em D1.

Suponha que a partícula seja detectada em D2. Não é razoável supor que ela seguiu uma trajetória contínua pelo caminho A? Claro! Óbvio! Experimento mais simples não encontraremos!

Mas os idealistas de Tlön poderiam argumentar que a partícula poderia ter dado um salto de S1 a D2, deixando de existir no meio do caminho (ou algo assim). Tudo bem, isso seria uma possível maneira de interpretar a situação. Nós, na Terra, estamos acostumados com as chamadas “partículas clássicas”, que seguem trajetórias contínuas. Mas há físicos quânticos que já pensaram como os tlönianos, no que podemos chamar de “partículas saltitantes” (como a aparência de uma pessoa dançando sob luz estroboscópica).

O objetivo do texto de hoje foi falar um pouco sobre partículas, também chamadas de “corpúsculos”. Elas são fáceis de representar mentalmente: são redondinhas, seguem caminhos bem definidos, e mantêm sua identidade, sem se desmanchar. Duas propriedades podem ser destacadas: elas são indivisíveis (até uma certa energia de destruição) e são bem localizadas (ou seja, cada uma está num ponto bem definido).

Nada que uma criança já não soubesse... Exceto no mundo de Tlön.