Saúde: Caminho para a obesidade

Saúde: Caminho para a obesidade

Segundo pesquisa desenvolvida pela Unicamp, algumas pessoas, quando expostas a dietas hipercalóricas, perdem gradativamente esse controle neural e passam a consumir mais calorias que gastam, tornando-se obesas com o passar do tempo. A descrição de lesão neurológica induzida por fatores nutricionais, como causa da obesidade, é inédita na literatura médica.

Há até alguns anos, acreditava-se que a obesidade se devia ao valor energético do alimento, apesar de evidências de não ser a única causa. Entre pessoas habituadas a dietas ricas em gordura sabe-se que umas engordam e outras não. Por isso, segundo os pesquisadores “buscamos em modelos animais outras explicações para a gênese da doença”, como detalha o professor Licio Augusto Velloso, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ao investigar a influência de ácidos graxos no funcionamento do hipotálamo, Velloso e seus colaboradores descobriram que as gorduras saturadas têm propriedades moleculares que ativam uma resposta inflamatória especificamente nessa pequena região do cérebro e, que essa inflamação é desencadeada por um receptor do sistema imune denominado Toll-Like Receptor 4 (TLR4).

Quando inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções e se estabelece um desequilíbrio entre ingestão de alimentos e dispêndio energético, na forma de termogênese, explica Velloso. Ele acrescenta que a exposição aos ácidos graxos saturados, quando prolongada, pode levar à morte de neurônios – processo chamado de apoptose. “A perda de neurônios com função central no controle do peso pode explicar porque pessoas obesas que se submetem a dietas rigorosas, ainda que consigam emagrecer nas primeiras semanas, voltam a engordar.

Quando inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções e se estabelece um desequilíbrio entre ingestão de alimentos e dispêndio energético, na forma de termogênese, explica Velloso. Ele acrescenta que a exposição aos ácidos graxos saturados, quando prolongada, pode levar à morte de neurônios – processo chamado de apoptose. “A perda de neurônios com função central no controle do peso pode explicar porque pessoas obesas que se submetem a dietas rigorosas, ainda que consigam emagrecer nas primeiras semanas, voltam a engordar.

“Hoje podemos afirmar que gorduras saturadas contribuem para o ganho de peso não apenas por seu valor calórico mas também devido às propriedades moleculares desses nutrientes. O efeito depende da carga genética de cada pessoa. Nos experimentos, segundo ele, “verificamos que animais com predisposição à obesidade perdem mais neurônios”. Os estudos realizados no Laboratório de Sinalização Celular da FCM foram publicados em janeiro no Journal of Neuroscience.

Para investigar os efeitos de dietas hiperlipídicas no hipotálamo, Velloso e colaboradores testaram animais de laboratório fornecendo-lhes três tipos de gorduras comuns na dieta nacional: um grupo foi alimentado com ácidos graxos presentes no óleo de soja, outro com ácidos graxos de origem animal, e um terceiro com gordura monoinsaturada do azeite de oliva. “Observamos que a dieta rica em gordura animal é a que mais compromete o equilíbrio entre o consumo e o gasto energético das pessoas”, comenta.

O trabalho se concentrou no TLR4 ─ receptor do sistema imune que nos protege de infecções primárias provocando uma inflamação que informa à célula a presença de uma bactéria invasora a ser combatida. Quando ativado, o TLR4 produz citocinas que causam inflamação no hipotálamo, e isso interfere na sinalização dos hormônios responsáveis pelo controle da fome e do gasto energético. Qualquer perturbação nessa região do cérebro pode fazer com que o indivíduo sinta fome intensa ou perca totalmente o apetite. Nos animais que receberam dieta saturada constatou-se que esse prejuízo na sinalização foi praticamente irreversível.
Comparando animais alimentados com azeite de oliva com animais que receberam dieta de controle (com apenas 10% de gordura) e dieta rica em gordura animal, os pesquisadores verificaram que a gordura do azeite exerce uma ação protetora. Não foram registradas diferenças no ganho de peso ou na quantidade de alimento ingerido durante o período de dieta hiperlipídica. No entanto, voltando à dieta normal, o grupo alimentado com gordura saturada continuou ganhando peso, enquanto que o que consumiu azeite perdeu até mais peso que o grupo de controle.

Um outro aspecto analisado mostrou que animais submetidos a dietas ricas em gordura saturada produziam várias citocinas pró-inflamatórias no sistema nervoso central, reduzindo o número de neurônios. A perda de neurônios pode estar associada a um processo denominado “morte celular programada” ─ a apoptose ─ que é benéfica para o desenvolvimento do organismo. Por exemplo, sem apoptose, os humanos teriam membranas entre os dedos. Mas quando ocorre de forma intensa e em locais errados é prejudicial, podendo gerar doenças neurodegenerativas.

Os pesquisadores verificaram que animais com dieta hiperlipídica apresentavam processos de morte celular, particularmente de neurônios do hipotálamo, o que não ocorreu com animais alimentados com ração normal. Depois de exagerar na ingestão de ácidos graxos saturados por certo período, o TLR4 é ativado excessivamente, levando a apoptose. O processo inflamatório grave acaba matando neurônios importantes no controle da fome.

Se a dieta hiperlipídica prosseguir indefinidamente, o próprio TLR4 apresenta um mecanismo de autocontrole em que sua atuação é atenuada. O hipotálamo continua inflamado, com seu funcionamento prejudicado, mas trata-se de uma inflamação benéfica, já que a apoptose é reduzida e os neurônios não são mais destruídos.

A pesquisa mostrou também que gorduras saturadas de cadeia longa (com maior número de átomos de carbono) comuns nas carnes bovina e suína, são as mais inflamatórias.

Projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que há mais de 300 milhões de pessoas obesas no mundo e esse número deve aumentar substancialmente nas próximas décadas. No futuro, observa Velloso, um teste poderá indicar a predisposição à obesidade ainda na infância, permitindo que os pais comecem a controlar a alimentação de seus filhos precocemente. Além disso, como hoje a regeneração de neurônios já é considerada possível, terapia com células-tronco pode ser um caminho para reverter o desenvolvimento da obesidade.
 
 
https://www.scientificamerican.com/